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A linguística é um dos meus maiores interesses da vida. Futuramente quero montar uma página mais elaborada sobre esse assunto aqui. Frattanto, deixo aqui minha autobiografia linguística, que escrevi para a matéria de Intercompreensão em Línguas Românicas na faculdade:


minha autobiografia linguística

"Ao pensar em como compor minha trajetória com as línguas, cheguei à conclusão que seria impossível destacá-la do percurso que também tive com a linguística em si: desde pequeno, sempre fui instigado pelos sons da fala humana. Gostava muito de observar as diferenças sonoras dos variados sotaques presentes no português. É claro, não nasci sabendo o que era fonética nem linguística, mas certamente estava me preparando para descobrir. Esse apego pelo sonoro também incluía o campo da música, que futuramente me ajudaria muito nas minhas empreitadas linguísticas.

Meu contato com línguas estrangeiras começou, como era de se esperar, com o inglês: tenho memórias de eu bem pequeno misturando tintas na sala de aula e aprendendo um pouco de vocabulário: redyellow, orange! Aos 10 anos, cheguei até a fazer uma escolinha de inglês por uns 6 meses, mas achava chatíssimo. Minhas habilidades com este idioma melhoraram quando a adotei para fazer pesquisas na internet. Para mim, sempre foi uma língua-instrumento: tenho poucos laços afetivos com ela, mas no quesito de utilidade tem sido a mais importante.

Outra língua profundamente importante nessa história é o italiano. Por grande parte da minha vida, escutei uma boa quantidade de buongiornovieni qua e alzati proferidos pela minha mãe, filha de um imigrante calabrês. Infelizmente, meu avô materno faleceu jovem e não tive a oportunidade de conhecê-lo, mas alguns cugini com quem mantemos contato até hoje me forneceram um pouco mais de interação com a língua do bel paese. 

Aos 10 anos, tive que apresentar um projeto individual em classe e meu tema de escolha foi “A história da escrita”. Ficava fascinado pela cabeça de boi que deu origem ao nosso “A” e histórias similares. Já com uns 14, li algo sobre a Cifra de César: um método de criptografia do alfabeto utilizado na Roma Antiga. Isso me levou a pesquisar mais sobre como o nosso abecedário representa os fonemas da língua e, em seguida, como esses fonemas são classificados. Em meio a essas pesquisas, tomei noção finalmente da existência da linguística e do quão complexa ela poderia ser.

Quando estava no ensino médio, me aventurei várias vezes com o aprendizado de línguas. Brincando com o Duolingo, aprendi um pouco de alemão, italiano e sueco. A timidez me atrapalhava um pouco, pois eu não cheguei a praticar muito com falantes nativos e meu estudo de línguas acabava mais sendo uma atividade introspectiva. O que não deixava a experiência menos interessante, é claro. Nessa época, comecei a pesquisar bastante sobre variados assuntos de linguística, que virou um dos meus maiores interesses desde então. Infelizmente, eu não pensava em estudá-la na faculdade, pois eu também gostava muito de exatas, área que eu via como mais “promissora” e acabei optando na hora de escolher um curso.

Em 2019, tive a oportunidade de visitar meus parentes em Varese, na Itália. Me comuniquei tranquilamente com uma mistura de português, italiano e inglês. Fascinado com essa nova experiência linguística, criei como meta de vida atingir a fluência na língua dos meus primos. Na mesma época, descobri uma nova camada a respeito das minhas raízes: meu avô, além da origem italiana, vinha de uma comunidade arbëreshë, descendentes de uma imigração albanesa do século XVI no sul da Itália. Frascineto (ou Frasnita, na língua local), seu vilarejo de origem, dotava de uma profunda herança cultural e linguística. Não é difícil imaginar que fiquei instantaneamente interessado pelo assunto.

Conforme eu comecei a estudar italiano, a percepção que eu tinha do português mudou profundamente. Tenho que admitir que, nos tempos de escola, não gostava muito das aulas de gramática, literatura e redação. Eu dava pouco valor à minha própria língua e superestimava o inglês de alguma maneira. Depois que comecei a comparar aspectos entre o italiano e o português, passei a enxergar muito mais a beleza da minha língua materna em sua sonoridade, diversidade e cultura.

Entrei na faculdade no fatídico ano de 2020, o que dispensa explicações: cerca de três semanas após o início das aulas, o curso inteiro passou para o EAD. Esse evento acabou com toda minha motivação acadêmica. Fui preenchendo o tempo excessivo de isolamento com meus estudos de italiano: consumi vídeos, filmes, livros, notícias, álbuns e qualquer coisa que a internet poderia me fornecer. Foi meu maior esforço linguístico até o momento. Além do italiano, estudei alemão, francês e aprendi a escrever nos alfabetos ελληνικό (grego) e кириллический (cirílico). Minhas pesquisas sobre linguística só aumentaram nessa época, com um destaque especial para a etimologia.

No meio de 2021, dei algumas aulas de inglês online. Foi interessante observar a linguística dessa perspectiva da aquisição e da didática, pois eu pessoalmente aprendia melhor de forma autônoma e tinha dificuldade em acompanhar o raciocínio de outras pessoas. Com boa parte do meu tempo sendo investido no mundo das línguas, fui obrigado a aceitar que essa era minha verdadeira paixão. Mesmo com todo o receio natural de mudar de curso, decidi largar a Estatística e entrar para Letras.

No ano seguinte, enquanto fazia o ciclo básico, explorei outras áreas relacionadas à língua, como a tradução e a legendagem, mais especificamente do inglês, espanhol e até francês. Foi muito frutífero pôr em prática meus conhecimentos nessas línguas, até para tirá-los um pouco do campo das ideias e ver como eu poderia atuar nesta área. O meio da produção acadêmica certamente precisa de muitos tradutores!

Ainda no primeiro ano de faculdade, decidi estudar um pouco da língua russa, que sempre achei muito bonita. Neste caso, adotei um método visual e monolíngue de aprendizado: em um pequeno caderninho, anotava novos vocábulos acompanhados de desenhos. Aprendi frases básicas da conversação, como Добрый день, как дела? Меня зовут Педро! O processo durou apenas dois meses, mas até hoje consigo compreender um pouco de textos russos que vejo por aí e também adquiri um maior conhecimento de como funcionam as línguas eslávicas. 

Meu ano de 2023 começou com uma viagem a Foz do Iguaçu. Um mês antes de visitar a Tríplice Fronteira, me desafiei a aprender o máximo possível de espanhol, língua  na qual eu nunca havia me aprofundado muito antes, apesar (ou talvez por causa) da similaridade com o português. Visitando a Argentina e o Paraguai, prometi a mim mesmo que limitaria ao máximo o portunhol. Falava com toda confiança: Perdón… ¿Cuándo sale el bus al parque nacional Iguazú? Foi uma experiência muito gratificante, creio ter aprendido muito.

Dias após essa pequena aventura linguística, passei a frequentar um chat de voz na plataforma Discord que tinha como objetivo facilitar a prática de idiomas reunindo pessoas de diversos países. Até o fim das férias da faculdade, tive um tempo a mais para conversar à distância com pessoas da Itália, Rússia, Coreia do Sul, Finlândia, Turquia, entre outros. A comunicação foi principalmente em inglês, mas deu para ter um pouco de contato com idiomas variados. Essas interações me ajudaram a vencer um pouco a minha ansiedade de conversar em outras línguas.

No meio do ano, tive a ideia de pesquisar a gluha arbëreshë como um possível projeto de IC. Esta língua descende do albanês antigo, do qual também evoluiu a língua hoje falada na Albânia. Para ter uma noção comparativa deste pequeno ramo da família indo-europeia, estudei um pouco do albanês moderno, ou shqip. Eu diria que a gramática está no mesmo nível de dificuldade do russo, mas a escassa quantidade de material para aprendê-la dificulta seu aprendizado. Acho que nunca vou aceitar que verdhë significa “amarelo” nessa língua.

Durante a greve estudantil daquele ano, o contato com colegas de outras habilitações atiçou minha curiosidade para pesquisar sobre as variadas línguas presentes no meu curso. Foi muito legal explorar a multitude dos 汉字 (hànzì) chineses, a esquematicidade dos ひらがな (hiragana) e カタカナ (katakana) japoneses, a simplicidade do 한글 (hangul) coreano e a cursividade do أبجد (abjad) árabe. Também fiquei muito ansioso para fazer a matéria de Sistemas de Escrita no semestre seguinte.

Encerrando um ano já repleto de experiências linguísticas, eu e minha família fomos visitar novamente nossos parentes na Itália, com planos também de passar alguns dias na Alemanha. Decidi que faria o mesmo que fizera com o espanhol e estudei intensivamente o alemão, reforçando o que já sabia e focando em torná-lo útil para o cotidiano turista: Entschuldigung… wo ist der Hauptbahnhof? Danke schön! Chegando em Berlim, acho que consegui me virar bastante bem com o que aprendi, especialmente lendo placas e me encontrando nas estações do U-Bahn e do S-Bahn.

Reencontrar meus familiares após mais de quatro anos foi muito gratificante. Além de matar a saudade, pude mostrar a eles o quanto eu havia aprendido nesse meio tempo. Tutte quelle ore trascorse fin dalla pandemia studiando l’italiano sembrano aver culminato in quell’incontro. Tive inúmeras conversas com muitas pessoas diferentes e consegui vencer novamente minhas inseguranças quanto à minha própria fluência, assim como acalmar meu perfeccionismo às vezes desgastante.

Além de praticar a língua italiana, deu também para ver de perto a relação que meus parentes têm com o arbëreshë e até observar um pouco do code-switching que os mais velhos praticam na fala. Escutei uma gravação do meu bisavô nos anos 70 falando as duas línguas em sua visita ao filho, que já morava no Brasil. Meus familiares ficaram muito felizes com o meu interesse na cultura ítalo-albanesa. Creio que, como membro desta família e futuro linguista, cabe a mim contribuir com a preservação desta língua centenária. 

Até maio de 2024, estes foram todos os momentos importantes da minha vida linguística, mas tenho certeza que muitos outros estão por vir."

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